Apesar de trabalhar com a literatura, estou sempre de olho na sétima arte - a que mais me inspira. Penso - mas essa é só uma impressão baseada em poucos fatos - que os filmes (ainda que majoritariamente estadunidenses) seguem sendo a arte popular menos nichada do mercado. A música se divide em categorias infinitas que não costumam se interligar, justamente porque a forma de consumo é muito individual e as séries e novelas chegam perto do que o cinema faz, mas normalmente o cinema é fácil de acompanhar, até por serem produções em menor número se compararmos com a quantidade de músicos e produtoras de TV que existem no mercado mundial, já que hoje temos acesso à programas do mundo todo.
Quem gosta um pouquinho mais de cinema costuma pelo menos ter uma boa ideia do que acontece no mercado. Não sou fã de terror, por exemplo, mas sei quais são os clássicos do gênero e sei quando vão sair as produções de maior sucesso. Pode ser só uma impressão minha, e não vou conferir e analisar dados porque é 28 de dezembro e estou de férias tomando uma long neck e comendo quibe de abóbora enquanto Brigite rói um talinho de couve ao meu lado. Eu só estou escrevendo esta newsletter numa noite de verão gostosa dessas porque, primeiro, sou virginiana e me comprometo demais com o que me proponho a fazer; e, segundo, porque não tenho nada melhor a fazer além de escrever essa reflexão, visto que quem me conhece sabe: sou uma pessoa solitária.
Bem, essa introdução toda é para dizer que falo do cinema hoje porque ele consegue comportar todas as outras artes em si e porque as pessoas chegam a ele de maneira mais uniforme, segundo dados do IBGAnna.
2023 parecia ser um ano de ressaca cinematográfica. Nada muito transgressor tinha cruzado meu radar ou, se alguma produção tinha saído um pouquinho da mesmisse, não chegou a me balançar - uma particularidade da arte que nunca é só técnica, tem que dançar sincronizada com nossas dores e delícias também.
Comecei finalizando minha lista de filmes do Oscar, que já tinha adiantado no fim de 2022 então vi alguns filmes bem legais e diferentes das narrativas cansativamente batidas dos EUA: Aftersun, um filme do reino unido, Decisão de partir, da Coréia do Sul e RRR, da Índia foram meus destaques dos primeiros meses. Neste ano, tentei assistir a pelo menos um filme por fim de semana e, me mantive atualizada com os lançamentos. Ainda assim, foi só no final do ano que me deparei outra vez com filmes que me sacudiram. Vidas passadas, Saltburn, Assassinos da lua das flores, Priscilla. E, à exceção do primeiro, uma produção mista com a Coréia do Sul, todos são filmes estadunidenses.
Sabe o que todas essas obras citadas tem em comum para me surpreender? Rompem com a mesmice dos reboots, remakes, spin-offs e universos compartilhados, espécies de caça-níquéis culturais preguiçosos que apelam à nostalgia e ao tempo de crise também mental e emocinal que vivemos. Os filmes seguros têm dominado o mercado dos EUA, que infelizmente ainda é o que nós temos acesso mais fácil. (E se você não sabe os motivos, faço uma explicação breve nesse texto sobre mulheres diretoras de cinema que escrevi para o Valkírias - Perigo: mulheres na direção!) Além disso, as obras cinematográficas que me marcaram em 2023 romperam de certa forma com a normalidade saindo dos padrões no elenco. A cor, origem, etnia e sexualidade da maioria dos personagens dos filmes mencionados é diferente da que costumamos ver - o que prova que mudar um ator pode contar uma história inteiramente diferente, ainda que exista muito em comum com outras tramas.
No entanto, o principal ponto é que meus favoritos de 2023 contaram histórias verdadeiramente novas ainda que estejam incluídos no paradoxo da existência de que nunca há nada verdadeiramente inédito sob o sol.
Não sei se essas histórias vão tocar quem alcança o cinema mais recentemente, mas para mim, que estou cansada dos últimos anos do cinema, o alívio foi grande. Me senti novamente entusiasmada pela novidade, pelo rompimento com o museu de grandes novidades do cinema recente.
Você viu algum desses filmes? Eles também te surpreenderam?
Para os que têm alma de artista
Esta última edição do ANNAVERSO se dirige principalmente a quem faz arte, mas é também um apelo a todos que têm alma de artista: quem quer viver de verdade e não só trabalhar para pagar contas.
PRECISAMOS DE ARTE DISRUPTIVA! Tudo que entra pra história e se imortaliza como marco quebra com uma tradição ou status quo anterior. Das cavernas à contemporaneidade, o que sobrevive ao tempo é o que é capaz fisicamente de fazê-lo e o que rompe com o antigo. PRECISAMOS VIVER DE UMA FORMA DISRUPTIVA! Só vivendo o sonho que você acredita de uma vida melhor e genuinamente vivida é que o viver se transforma para você e para os outros. Dentro das suas possibilidades e além delas - quando puder - faça tudo que disseram que não se deve ou não se pode fazer e que você SABE que é importante para uma vida justa com você mesmo e com as outras pessoas.
Se você é artista, desejo a você a coragem para fazer sua própria revolução. Quando pensar em fazer arte, pense em maneiras de fazer diferente de tudo que já leu, ouviu, assistiu ou de alguma forma consumiu? Não quero nem posso impor essa decisão como imperativo a ninguém, mas desejo a todos que fazem arte que busquem o mesmo que eu já tenho buscado: fazer algo diferente de tudo que já foi feito. Não, nem todas as histórias do mundo já foram contadas, muito menos da mesma maneira, apesar de tudo já ter sido dito (lembre-se que a vida é paradoxal e a arte também!)
E para você que tem alma de artista (acredito que todo mundo tenha um pedaço de si com o desejo imortal de viver, então acredito que você tem alma de artista também!), desejo coragem também, para que você mude o que precisa mudar e abrace o que precisa ficar, por você e por nós. Só você pode fazer isso da sua forma única.
Espero que você me surpreenda e seja a transformação ainda mais cheia de vida do que eu posso imaginar, aquela que vai mudar tudo o que demanda mudanças!
Para quem quer ler o que escrevi em dezembro e ainda pegar umas indicações bem legais para recesso, férias e o ano de 2024, tem colaboração minha no Troféu Valkírias de Melhores do Ano de literatura, TV, cinema. Ainda faço uma listinha mais elaborada (ou não) no Shake de Cultura de dezembro ou uma edição especial de melhores da Anna, então aguardem.
Agradeço por terem ficado comigo por alguns momentos de 2023, este ano de pegar fôlego para o que quer que nos exija oxigênio no futuro que faremos em 2024. Nos vemos no ano que vem!