#07 - Não é livro, mas inspira a escrita | parte 01
Uma lista de séries que são ótimas de assistir e ainda ajudam a refletir sobre a escrita
Reuni nesta newsletter algumas séries ótimas, que todas as pessoas que gostem de boas histórias podem gostar. Mas a lista foi feita pensando em pessoas que escrevem. Caso seja este o seu caso, direcione o olhar para os pontos que menciono, porque trouxeram mudanças na minha forma de escrever. Felizmente para apreciadores de dramas asiáticos e infelizmente para preconceituosos, TODAS as séries da lista são coreanas. (Mas tem uma exceção que também indiquei!)
Romance is a bonus book
Disponível da Netflix
O drama conta a história de uma publicitária recém divorciada e sem dinheiro que precisa retornar ao mercado de trabalho depois de ano se dedicando a ser apenas mãe. Ela acaba encontrando um emprego na editora fundada por seu jovem amigo, um escritor prodígio que se tornou sócio da empresa. Os dois também precisam morar juntos, e um romance surge a partir dessa convivência, apesar da diferença de idades e a experiências na vida. Dan-I também vai se integrando ao trabalho criando relações diversas com as pessoas de diferentes cargos e setores que trabalham no lugar.
O romance, as questões da mulher-mãe, a solidão da mulher divorciada e o etarismo no mercado de trabalho, discutidos com um realismo que não deixa de ser também bastante acolhedor e uma trama de genuína união feminina são pontos trabalhados na trama. Tudo isto pode deixar passar batido os processos de publicação que vemos em tela. Obviamente, uma editora de sucesso na Coréia do Sul funciona de forma bem diferente das nossas editoras, e para autores independentes a realidade é ainda mais distante. No entanto, o drama leve e romântico acompanha o cotidiano das pessoas que publicam: Nosso protagonista, Cha Eun-ho, por exemplo é um autor que acumula funções como podcaster, editor e escritor - algo bem real, ainda que glamourizado na série; publicar ou não publicar um texto e como editá-lo são pontos de tensão na trama, a publicidade de um livro é discutida e pensada para testemunho de espectadores; a relação entre autores e seus livros aparece como pano de fundo da ação; e as relações humanas são constantemente comparadas aos livros, de modo que as metáforas nos fazem ter novos entendimentos tanto sobre a escrita e a leitura quanto sobre a humanidade. O drama faz com que se pense sobre todo o processo de publicação e a própria literatura ao longo dos episódios.
Chicago Typewriter
Disponível na Netflix
Um escritor bestseller famoso por suas tramas policiais, tem sua vida cruzada com uma fã que precisa entregar a ele uma encomenda especial: uma máquina de escrever - relíquia do próprio país, adquirida nos EUA quando, em uma tarde de autógrafos, o objeto exerceu uma estranha atração sobre o autor a ponto de fazê-lo comprá-la. A máquina, no entanto, carrega um fantasma familiar às vidas passadas da entregadora e do escritor, e agora eles precisam desvendar o passado para libertarem o fantasma preso à maquina.
Chicago Typewriter (máquina de escrever de chicago, em português) é na verdade o nome de uma arma, usada durante o passado ditatorial japonês sobre a Coréia. A vida passada do trio protagonista é retratada durante o período entre os anos 20 e 30 no qual a cultura, a linguagem, a história e a autonomia do povo coreano eram reprimidos pela colonização do império japonês. A violência era combatida por grupos revolucionários, e é neste cenário de opressão política e luta pela liberdade que se discute a importância de um escritor em uma revolução, bem como a importância de se contar a própria história e, também, como a cultura escrita vai se desenvolvendo geração a geração, e - ao longo da história - os textos vão se tornando simbólica e literalmente um legado para que os próximos continuem uma narrativa libertadora que só acontece coletivamente.
W - dois mundos
Disponível no Viki
Esta é uma fantasia complexa: a filha de um quadrinista é puxada para dentro da história em quadrinhos na qual seu pai trabalha e salva a vida do protagonista que acaba de ser misteriosamente esfaqueado. O mundo real e o ficcional se misturam e a trama vai se desenrolando com ação, suspense e drama, em uma das narrativas mais redondas que se pode ter quando há tanta mistura de gêneros.
No pano de fundo fica a história do quadrinista e toda a energia e tempo que ele precisa doar a sua história e no qual deixa de viver a própria vida, a relação entre o sucesso e a demanda de criação, a fama gerando a pressão dos leitores e, mais ainda, a criatividade versus a necessidade de se pagar a contas. Fugindo do maniqueísmo, a figura do autor vai revelando todas as suas nuances - identificáveis em todas as pessoas que escrevem. A história também fantasia, numa alegoria da própria realidade, o modo como a ficção e a vida de leitores se mistura, como se encarássemos narrativas irreais de modo tão pessoal que passam a fazer parte de nós na vida real - e saber isto é uma grande responsabilidade para quem escreve.
Mr. Sunshine
Disponível na Netflix
Em mais um drama histórico, uma criança filha da mais baixa classe da sociedade coreana retorna ao país como um militar dos EUA no período em que a ocupação japonesa começa a se estabelecer. Em meio a mais um conflito pela independência da nação, disputada por China, Japão e EUA, o protagonista precisa encontrar sua identidade entre suas novas relações: uma jovem nobre filha da classe erudita, vinda de uma família libertária, um jovem de alta classe que também retorna ao país depois de seus estudos no japão, um ronin de caráter dúbio e uma dona de hotel dividida entre a sobrevivência na sociedade dominada politicamente pelo Japão e seus verdadeiros ideais. A narrativa mistura ação e drama para recontar a luta do povo coreano por sua libertação da ditadura japonesa e acaba sendo uma jornada de entendimento da própria identidade nacional coreana.
O personagem mais boêmio - aparentemente apenas um jovem rico e mimado - se encarrega de usar a literatura para escrever uma espécie de jornal onde as ideias revolucionarias circulam de forma ilegal e perigosa. Uma atividade aparentemente inofensiva carrega muita potência e o coloca em perigo. O papel da escrita como um registro histórico acaba se reafirmando com o destino deste personagem, e é interessante pensar no papel da escrita enquanto circulação de ideias.
Tudo bem não ser normal
Disponível na Netflix
A vida de uma escritora excêntrica de livros infantis e dois irmãos órfãos se entrecruza em mais uma trama de mistério - mas também de humor e acolhimento em relação a diversas dificuldades da saúde mental. Caso este aspecto específico interesse, escrevi sobre este drama para o Valkírias, no especial Setembro Amarelo. Leia aqui.
O mais interessante é observar como elementos das histórias infantis carregam tanto terror porque têm a intenção de falar sobre a realidade da vida. Ao mesmo tempo a protagonista é uma autora que encontra escape da realidade nas histórias que cria e oferece a outras pessoas a oportunidade de fazer o mesmo e sua escrita acaba sendo um reflexo de sua vida pessoal e também uma maneira de lidar com seus traumas. As narrativas infantis - algumas familiares a nós, outras bem específicas da cultura coreana ganham espaço em intervenções bem interessantes, com estilos diferentes de animação e outras representações dividindo espaço com a narrativa principal. Os livros publicados pela autora foram inclusive publicados na série e foram traduzidos para o português recentemente. Então, de certo modo, a série também produziu literatura. Talvez, este seja o caso em que a profissão da escrita seja a mais estereotipada entre todos os dramas desta lista - ao mesmo tempo que não é (algo difícil de explicar, eu sei, mas quem assistir vai entender), mas ainda assim, vale a reflexão.
Você já assistiu esses dramas? Vem me contar o que achou!
Bônus
A historiadora (Netflix) - sobre o papel da escrita histórica e a influência e o papel da literatura em um período em que ler era para poucos mas era uma diversão e entretenimento para muitos.
Meu diário para a liberdade (Netflix) - apesar de não ser sobre a escrita, o registro autobiográfico aparece como fio condutor da narrativa a partir de um certo ponto, o que é interessante para refletir no papel dos diários enquanto relatos também literários.
Uma exceção
Dickinson é uma série estadunidense da qual não gosto enquanto narrativa, mas que tem alguns pontos bem interessantes sobre a relação entre autor, escrita e sobre a arte dentro de seu tempo. Como já elaborei muito no artigo Viagem ao interior: a essência poética em Dickinson, escrito para o Valkírias, vou apenas deixar o link para leitura deste meu comentário sobre a biografia em série da poeta.
Em julho, escrevi o editorial do post mensal do ESCREVENDO PELAS BEIRADAS, blog do Coletivo Margem. Tem outros textos incríveis aqui, dá uma olhada:
Também escrevi uma edição extra do ANNAVERSO, mas primeiro você precisa ler o texto da Júlia Peccini na newsletter Frestas.
Meu texto conversa com o dela, e sou muito grata pelo convite desta autora para escrevermos em conjunto essa série de posts que partiu de uma pesquisa que fizemos com autoras do Coletivo Margem e Coletivo Escreviventes
Através do Coletivo Margem ofereci a oficina A métrica da poesia e a partir dela vai surgir um grupo de estudos de poesia. Você se interessa em participar? Entra nesse grupo onde as informações vão ser entregues - sem spam! Clique aqui pra entrar!
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Nos vemos em agosto, mês do meu aniversário! Sempre tem promoções e lançamentos nom eu perfil do instagram - fica de olho por lá!